Apesar do desgaste público, o depoimento do ex-ministro Sergio Moro após as declarações de que o presidente Jair Bolsonaro teria tentado interferir politicamente na Polícia Federal praticamente deu “chabu”. Mesmo que fique implícito que Bolsonaro agilizou a saída de Maurício Valeixo da direção-geral por interesses pouco republicanos, o discurso do presidente consegue encaixar na capacidade argumentativa dos próprios apoiadores. E esse número continua barulhento, ainda que tenha sofrido sucessivas desidratações.
O conteúdo do depoimento não surpreendeu. Foi uma repetição mais detalhada e formal do discurso de despedida de Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Para quem acredita no paladino que outrora foi juiz, a pecha de que Bolsonaro cometeu ingerência política com a PF funciona. As supostas provas sugeridas pelo ex-ministro não apareceram – apenas consta o relato dele contra a versão do presidente. Tal situação causa burburinho político, mas está longe de provocar algo além de arranhões na imagem do chefe do Executivo.
Do ponto de vista de construção narrativa, Moro conseguiu costurar bem o depoimento à biografia, algo que pareceu tão caro a ele durante o processo demissionário. Ele ainda consegue parecer vítima e deixar o presidente numa posição de algoz. Porém não funciona fora da bolha de fãs da Lava Jato. No máximo ajuda a dar munição para os adversários de Bolsonaro, mas ainda é algo bem incipiente. Algo que acaba por ficar diluído em meio à tática de guerrilha constantemente adotada pela claque do ocupante do Palácio do Planalto.
Já o presidente sugeriu que a mudança na superintendência da PF no Rio de Janeiro foi uma promoção para aquele que deixa o posto. Foi a desculpa perfeita, que impede uma responsabilização pelo fato de interferir na corporação. Como no Brasil fatos viraram uma questão de fé, nada mais justo do que tapar o sol com a peneira. Ou seja, pode-se até gastar saliva, mas nada vai mudar a convicção de que morador da Alvorada é inocente...
Pouco após o depoimento de Moro vir a público, Bolsonaro revelou um trecho da conversa em que o então ministro falava de “fofoca” ao se referir ao inquérito das “fake news”, aberto de ofício no Supremo Tribunal Federal. É uma bomba com a mesma potência da utilizada pelo ex-ministro: pouco efeito prático. Depois de muita expectativa, assistimos a estalos bebé que queriam ser ogivas. Por enquanto, Moro e Bolsonaro vão seguir retroalimentando as narrativas. E nós, como espectadores, assistiremos a essa guerra de meninos. Pena que esse ano não tem nem São João.
Este texto integra o comentário desta quarta-feira (6) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios A Tarde FM, Irecê Líder FM, Clube FM, RB FM, Valença FM, Alternativa FM Nazaré e Candeias FM. Fonte: Bahia Noticias
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