O presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou nesta segunda-feira (29) duas MPs (medidas provisórias) que, na prática, permitem cortar verbas nas áreas de cultura e ciência e tecnologia, redirecionando o espaço no Orçamento para acomodar outras despesas, incluindo emendas parlamentares.
A expectativa dentro do governo é que as duas medidas abram caminho a um desbloqueio de verbas na avaliação bimestral do Orçamento programada para 22 de setembro, às vésperas da eleição.
Também devem ajudar a fechar as contas da proposta orçamentária para 2023, a ser enviada na próxima quarta-feira (31).
O governo tem hoje R$ 12,7 bilhões em despesas bloqueadas para evitar um estouro do teto de gastos, regra fiscal que limita o avanço das despesas à inflação. Em conjunto, as medidas podem contribuir para reduzir o bloqueio de 2022 em cerca de R$ 8 bilhões, a depender da dinâmica de outras rubricas do Orçamento.
Embora Bolsonaro e o Congresso tenham negociado uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para instituir uma fatura extrateto de R$ 41,25 bilhões para turbinar benefícios sociais até o fim do ano, outras despesas, como gastos de ministérios e emendas parlamentares, ainda precisam respeitar o limite de gastos.Diante da necessidade de cortes, o governo contrariou o Congresso Nacional e bloqueou quase metade dos R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, instrumento usado como moeda de troca nas negociações políticas. Como mostrou a Folha, a medida gerou tanta insatisfação que foi preciso sinalizar à cúpula do Congresso a liberação do dinheiro logo após as eleições.
Uma das MPs publicadas por Bolsonaro, com vigência imediata, limita a R$ 5,6 bilhões a verba a ser aplicada pelo FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2022. A medida, segundo técnicos ouvidos pela reportagem, deve liberar aproximadamente R$ 2 bilhões em recursos.
Para 2023, a MP assinada por Bolsonaro, com vigência imediata, limita os valores aplicados a 58% da receita do fundo prevista para o ano. Esse porcentual cresce em 10 pontos a cada ano até 2026, voltando a 100% em 2027.
Antes da MP, o governo precisava reservar espaço no Orçamento para bancar despesas equivalentes à toda a receita prevista para o fundo. Ainda havia um artigo proibindo o contingenciamento da verba –que foi revogado de forma imediata por Bolsonaro.
Em julho, o governo havia tentado aprovar no Congresso um projeto que permitia o bloqueio de gastos do fundo. A proposta foi alvo de duras críticas de associações do setor e, após pressão, foi rejeitada. Agora, no entanto, o tema deve voltar à pauta do Legislativo.
Uma segunda MP adiou os repasses das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de auxílio à cultura em estados e municípios, e do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), aprovados pelo Congresso como resposta à crise causada pela pandemia de Covid-19 nesses setores.
As propostas chegaram a ser vetadas por Bolsonaro, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional, obrigando a equipe econômica a incluir seus impactos no Orçamento.
Em 2022, os gastos seriam de R$ 3,86 bilhões com a lei Paulo Gustavo e R$ 2,5 bilhões com o Perse. Em 2023, haveria um repasse de R$ 3 bilhões devido à lei Aldir Blanc.
A incorporação dos valores acabou pressionando o teto de gastos e contribuiu de forma decisiva para a ampliação do bloqueio nas despesas anunciado em 22 de julho e que acabou incidindo sobre as emendas parlamentares. Também vinha dificultando o fechamento da proposta orçamentária de 2023, que deve ser enviada com uma reserva ainda maior, de R$ 19 bilhões, para a verba dos congressistas.
A MP editada pelo presidente adia os repasses da cultura e do setor de eventos em um ano, jogando para 2023 todas as despesas que deveriam ser executadas ainda em 2022. Já os gastos programados para o ano que vem foram postergados para 2024.
Além disso, os valores previstos na lei, antes definidos de forma expressa e obrigatória, foram flexibilizados. O texto diz agora que a União fica "autorizada" a repassar as cifras mencionadas, que são apresentadas como o "valor global máximo".
Na prática, segundo técnicos, a redação abre espaço para que o governo efetue pagamentos menores do que os estipulados na lei, uma vez que eles funcionarão como teto para as transferências.
Técnicos do governo avaliam que os projetos aprovados no Congresso não poderiam criar despesa obrigatória, sob risco de ferir a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O presidente do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, Fabrício Noronha, criticou a medida e disse que ela altera a "essência" das leis. "Foi um jeitinho que o governo federal deu em cima e um processo que já foi todo debatido. Numa canetada, ele fragiliza o planejamento. Sem obrigatoriedade do recurso, isso se torna uma disputa ano a ano", afirmou.
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